sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

João Gabriel da Fonseca Mateus fala sobre a Guerra Civil Espanhola


O Blog do III Simpósio Marxismo Libertário entrevistou João Gabriel da Fonseca Mateus sobre alguns aspectos da Guerra Civil Espanhola, tema de sua palestra durante a mesa redonda no III Simpósio Nacional Marxismo Libertário cuja temática são as experiências autogestionárias e que contará também com a análise da Revolução Polonesa de 1980, por Cláudio Nascimento, e da Revolução Alemã, por Nildo Viana. Abaixo a entrevista com o historiador:


BLOG III SIMPÓSIO MARXISMO LIBERTÁRIO: Qual a importância em discutir a Guerra Civil Espanhola?

João Gabriel da Fonseca Mateus: Pensar a Guerra Civil Espanhola em 2014 não permitiria, para nós de seu futuro, constituir os passos revolucionários que ela produziu. Mas, através de um trabalho empírico e hermenêutico, provocar a sua atualidade e potência como possibilidade, como projeção de futuro. Devemos dizer que nos interessa problematizar as práticas de sociabilidade do anarquismo durante a Revolução Espanhola, refazendo uma produção historiográfica do ponto de vista da emergência de práticas autogestionárias.
Torna-se interessante ressaltar que o processo de transição do sistema de propriedade privada para a propriedade coletiva se deu de forma rápida e eficiente, não afetando a terra em si ou o sistema produtivo direto. Ela se torna base da produção do camponês pobre e trabalhador deixando ser a algoz ferramenta dos latifundiários sobre esses mesmos camponeses. Ressaltemos no tempo presente que os Conselhos de Fábrica do período foram se agrupando de acordo com os seus ofícios e funções, aproximando os trabalhadores e relacionando-os no sistema federativo de organização. Por exemplo, nos Sindicatos de Indústria, afirma Diego Santillan, proveria a modernização da maquinaria, juntamente com a fusão e coordenação das fábricas, além da supressão dos estabelecimentos improdutivos, etc. Nesse sentido, os próprios sindicatos se tornaram organismos que representam a produção local, cuidando não só da sua preservação, como também do seu futuro, criando escolas de ensino profissional, institutos de pesquisa e laboratórios experimentais, conforme a sua iniciativa e os meios disponíveis.
Além disso, mostremos ao tempo presente a possibilidade histórica de coletivização das terras, fábricas e os meios de transporte, resultado da decisão de uma seção plenária regional da Confederação Nacional do Trabalho (CNT), realizada em Madri a 30-10-1933. De acordo com a própria resolução:
“Declaramos que se triunfarem as tendências fascistas e por esse ou outro motivo se produzir uma comoção popular, a CNT tem o dever de impulsionar os desejos populares para plasmar na realidade sua finalidade comunista-libertária”.
A experimentação analítica na Guerra Civil Espanhola descreverá a anarquia contra a política, ou contra esse território da política, demarcado não desde o Estado. Práticas autogestionárias não são essencialmente econômicas ou políticas, ou simultaneamente ambas, mas afirmações.
Resumindo, a importância da discussão da Revolução Espanhola está em produzir uma nova experimentação analítica, que aqui, investe numa atualidade do anarquismo no hoje. Pensar a Guerra Civil Espanhola não permitiria, assim, recriá-la, mas provocar e descrever sua atualidade na potência que ao pensá-la acontece.

BLOG III SIMPÓSIO MARXISMO LIBERTÁRIO:  Dentre as diversas interpretações desta revolução, qual é a que poderíamos dizer que é mais fiel ao que realmente aconteceu?

João Gabriel da Fonseca Mateus: Existe, no campo do anarquismo, uma produção vasta sobre a Revolução Espanhola. Apresentar uma concepção única de verdade não nos é o caminho melhor a percorrer. Suas interpretações díspares e ao longo de vários anos, provoca-nos hoje a necessidade de criar um apanhado mais amplo de possibilidades interpretativas abarcando na sua complexidade uma maior possibilidade explicativa. Assim, autores como Pierre Broué, Gaston Leval, Caros José Márquez, George Orwell, Gaétano Manfrédonia, Pierre Villar, Igor Pomini, Margareth Rago, Frank Mintz e tantos outros, serão aqui utilizados de maneira complementar. Por exemplo, os relatos de Orwell em Recordando a Guerra Civil serão complementados pelos documentos empíricos que Margareth Rago organizou em obra que falaremos abaixo. Além disso, os trabalhos analíticos de Pomini, Leval são complementares aos trabalhos cânones de Vernon Richards (Enseñanzas de la revolución española), tal qual os de Paul Preston (La Guerra Civil Española) e Frank Mintz (La autogrestión en la España revolucionaria; Ensinamentos da autogestão espanhola).
Além destes, deixemos como indicação os autores Pierre Broué, Gaston Leval, Caros José Márquez, Gaétano Manfrédonia e Pierre Villar, que debruçaram de maneira profunda sobre o tema em questão.  Na palestra, ainda, farei ainda uma análise de cartazes da Revolução Espanhola, tal qual este que o leitor encontra aqui ao lado. Em nossa apresentação utilizaremos alguns documentos históricos, tais quais os jornais Tierra y Libertad, Solidaridad Obrera, os Boletín de Información de la CNT-FAI (ambos do período revolucionário) e uma seleção de documentos do grupo feminista Mujeres Libres que a brasileira Margareth Rago fez na obra, em coautoria com   Maria Clara Pivato Biajoli,  Mujeres Libres da Espanha: documentos da Revolução Espanhola.

 




BLOG III SIMPÓSIO MARXISMO LIBERTÁRIO: Qual a semelhança entre a Revolução Espanhola e outras experiências históricas autogestionárias, como a Comuna de Paris e Revolução Russa?

João Gabriel da Fonseca Mateus: O processo de comparação entres os acontecimentos históricos devem ser sempre cuidadoso. O anacronismo pode ser um erro premente. Mas, de fato há elementos, de acordo com nossa concepção, que une esses acontecimentos? Dizemos, sem hesitação, que sim.
Na Revolução Russa, por exemplo, afirma Maurício Tragtenberg, a Oposição Operária dos anos 20, a Rebelião de Kronstadt (1921), a Revolução Makhnovista na Ucrânia (1918-1921 representam a prática da autogestão das lutas pelo proletariado, que são nada mais do que o ressurgimento de  reivindicações de controle operário da produção, autonomia sindical e dos conselhos operários e rejeição da ditadura do partido único.
De acordo com esse mesmo autor, é na Espanha, no período 1936-39, que se dará, em 80% do país, a prática da autogestão das lutas operárias contra o fascismo e o capitalismo e da coletivização das fábricas e das terras. Tal qual na Comuna de Paris, na Revolução Russa, essa prática libertária de sociabilidade será esmagada pelo Estado e pelo Capital.




Um comentário:

  1. A partir desta importantíssima explanação acerca da Guerra Civil, negação da propriedade privada, chegaríamos a autogestão social dos meios de produção, e emancipação humana e política e teriamos uma sociedade de fato livre do capitalismo e seu modo de produção!

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